domingo, 20 de dezembro de 2015

DECEPÇÃO

Hoje, depois de praticamente um mês planejando ir na primeira praça com um, e eu disse apenas um, brinquedo adaptado para uma criança cadeirante, em vez de ser só felicidade, a alegria virou decepção. Este era o brinquedo no dia que descobrimos ele, dia 25/11/2015.



Agora, 25 dias depois a corrente de aço que segura o portão/rampa para acessar o brinquedo já está estragada, com elos torcidos que fazem com que a rampa não toque o chão, formando um degrau. Como GABRIELA tem pânico de degrau, acabou com a diversão dela e, devido a esse medo, ela começou a chorar. 

No primeiro momento, a raiva e a frustração me deixaram com vontade brigar com o mundo, inclusive com GABRIELA, mas ela não tem culpa e nem controle sobre o medo que sente dos degraus que viram obstáculos para sua autonomia.

Depois eu me acalmei, mas veio aquele misto de tristeza com desapontamento de um pai cujos desejos em relação ao filho é que ele tenha as mesmas oportunidades dos outros. Apesar da placa dizer exclusivo para cadeirantes, era uma maneira de incluir para que as crianças interajam, andantes e "rodantes". Mas não, a falta de educação e o senso coletivo das pessoas já estragou o brinquedo, e sei que isso aconteceu porque quando chegamos lá, outras crianças brincavam perigosa e imprudentemente com o brinquedo, chegando ao ponto de uma delas bater com nariz no banco e depois com a nuca no ferro de proteção no assoalho do balanço. Eles recolheram o menino, levaram para o responsável e voltaram a brincar "violentamente" com o brinquedo.

Quando será que a prefeitura irá "consertar" o brinquedo? E quanto tempo durará até que tenha que passar por um novo conserto? Não existe ninguém para cuidar das praças? Sim, eu peço simplesmente que cuidem das praças, pois tenho certeza que para educar as pessoas, não há vontade política para isso. Não formamos mais cidadãos coletivos, estamos correndo para a selvageria e o individualismo. Precisamos tomar uma atitude mais coletiva e sair do mundo do nosso umbigo.

Enfim, essa foi uma GRANDE DERROTA do pai da Gabriela.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

MUITO ALÉM DESSE MUNDO

Aos 48 do segundo tempo, quero homenagear 3 das coisas importantes na minha vida: O meu pai, a GABRIELA, é claro, e o inter. Esse é um texto de um colorado chamado Luis Felipe dos Santos, mas ele fala de torcedor para torcedor, sem rivalidade, apenas respeito e amor ao futebol e uma relação de pai e filho. Originalmente, ele foi publicado no FINAL SPORTS, em 17/12/2007. O título original do texto é o título da postagem.

Este relato sobre o mundial de 2006 não quer entrar para as antologias. É um relato estritamente pessoal. É sobre como eu vi este jogo com o meu pai.

Meu pai, seu Gilberto, sempre foi fã do grande futebol; por consequência, de Ronaldinho. Isso desde que ele surgiu no Grêmio. Meu pai sempre foi colorado de quatro costados, contava para todo mundo como assistiu todo o campeonato de 1961 (aquele, de Gilberto Andrade e Sapiranga, lembra?) no estádio dos Eucaliptos. Das finais memoráveis que viu no Beira-Rio, a década de 70 inteira, por exemplo. Só que, como amante do jogo bonito, também admirava os craques do Grêmio. Na época, é preciso que se diga, a rivalidade não era essa idiotice de hoje, onde o recalque aparece a olhos vistos: os colorados iam ao Olímpico para ver Aírton, os gremistas apareciam no Beira-Rio para admirar Falcão.

Eu, que já nasci em um tempo de rivalidade idiota, não suportava Ronaldinho. Corneteava a promessa negra gremista com ferocidade, sentado no sofá da sala. Cada cobrança de falta em GreNal era uma agulha a mais no seu vodu. Cada elogio da imprensa do sudeste era uma gota de saliva espumando da minha boca. Cada drible, cada gol, apertava um pouco mais aquele já condoído coração adolescente colorado.

Discutia de forma violenta, feroz, contra Ronaldinho. Não o perdoei nem quando foi para o PSG, deixando os cofres tricolores às moscas. Comecei a ser um pouco mais indulgente quando ele ajudou a conquistar a Copa de 2002. Meu pai continuava com a sua admiração, e zombava da minha raiva de outrora. "Viu? É ou não é um grande jogador de futebol?" sorria, entre um copo decerveja e outro, ao lado da cadeira de balanço.

Pois chegou o Mundial, e o adversário era o Barcelona de Ronaldinho. "Agora esse safado vai ver", eu dizia. O pai lembrava de todas as sacanagens que ele aprontou com os tricolores, mas não adiantava. Era uma bronca pessoal, minha com ele. Ele tinha que engolir as bolas que meteu na rede de Hiran, os chapéus que deu em Dunga, o drible com a mão que deu em Fernando Cardozo. Seu Gilberto, admirador do grande futebol que era, previa que não tínhamos a menor chance. Sempre deixava, porém, uma esperança: "Se até Jurandir marcou Falcão, por que Ceará não pode marcá-lo?" pensava.

Sentado na cadeira de balanço, dedicava o segundo semestre de 2006 a cornetear os atletas colorados. "E esse Edinho! Não sabe dar um passe. E depois a gente quer ganhar do Barcelona", esbravejava. Reclamava também com a falta de contratações: de grande jogador, só um volante, e ainda por cima colombiano. "Saiu aquele guri, o Sobis, e agora? Não temos mais ataque!" Depois surgiram as especulações de que um grande jogador estava surgindo no Beira-Rio. Nas conversas informais em casa, o meu irmão, que é preparador físico do juvenil, dizia que o guri realmente era muito bom de bola. Seu Gilberto só coçava o bigode. "É, mas já tão enchendo muito a bola desse guri. Ele renovou contrato e já apareceu na capa do jornal! Vinte milhões dedólares!"

Isso até o momento em que o guri foi colocado para jogar. No primeiro minuto, um gol. No segundo lance, uma assistência. Os gols foram surgindo, os dribles aparecendo, e seu Gilberto se empolgava na cadeira de balanço, quase quebrando as molas. "Mas esse guri....é MUI-TO-BOM mesmo, hein?" me cutucava. "Ele me parece aquele centroavante que tinha, o Van Basten! Olha ali! Mesmo porte, magrão, alto...é muita qualidade, deusolivre. Quando esse guri dominou pela primeira vez eu já vi que é craque."

Alexandre Pato nos deu uma centelha de empolgação para o Mundial. Quer dizer, mais para ele do que para mim. Eu continuava acreditando que perder por 1x0 era vitória. Sim, eu estava completamente cético, para não dizer apavorado. Sim, eu achava meio insano dar a camisa 11 para um piá com um jogo de profissional. Contra essa corrente de pessimismo, estava a minha mãe, que sempre disse: "Não adianta, Felipe, esse mundial é nosso". Não adiantava falar pra ela de Ronaldinho, de Deco, de seja quem for. Ela estava convencida que era a nossa vez e ponto final. Algo além do racional, do tangível.

Antes do jogo contra o Al-Ahly, fui dormir às 3 da manhã. Pedi para meu pai me acordar às sete. Podre, só acordei com o grito dele no primeiro gol do Pato. Recebi uma reprimenda, claro. Depois daquele sofrimento, saímos os dois pra rua a celebrar a final e abrimos uma cerveja. Meu pai estava fazendo tratamento para o câncer. A mãe chegou ao meio-dia. "Mas Gilberto, bebendo cerveja essa hora? E os remédios?" "Pô, Lena, duas latinhas..."

E que dias foram aqueles até domingo. No dia seguinte, ele convidou o nosso vizinho gremista, seu Anoir, para ver a partida entre Barça e América. Seu Anoir era parceiro do meu pai em todos os jogos pela TV, por também ser fã do grande futebol. E viram os 4 a 0, o show de Ronaldinho e de toda a esquadra azul-grená. Que surra. Eu na casa da namorada, cheguei só ao meio-dia. O pai chegou para mim no almoço: "Aqui ó...não tem chance". E a mãe: "Sem essa de não tem chance. Tem que pensar positivo! Vai dar, não adianta, mas se a gente ficar pensando negativo, pode tudo dar errado!". A mãe seguia acreditando que estava escrito nas estrelas. Eu estava com meu pai. Só um milagre.

A minha descrença era tanta que eu passei um dia 16 tranqüilo. O medo, o pavor, o pânico, só veio à noite, mais uma vez em claro. Meu pai, com alguma dificuldade para dormir por conta dealgumas conseqüências da quimioterapia, virou junto comigo. Eu ficava entre o computador e a TV. Ele ficava entre a TV e o rádio. Volta e meia a gente se olhava. As íris brilhantes de excitação e o queixo um pouco trêmulo, de medo. "Será que vai dar?", perguntei lá pelas quatro da manhã. "Não sei por que, Felipe. Mas agora fiquei com a impressão de que vai dar."

Às sete da manhã, sol nascido, meu irmão André liga de sua casa, para falar com o Giba antes da grande jornada.. A voz era embriagada e o cheiro da carne assada dava para se sentir do outro lado da linha. Quase choraram ambos no telefone. Paulo desceu da sua casa com uma batida de banana e um enorme sanduíche. Depois chegou a Luiza, com cara de sono. A mãe pediu para não ser acordada. O pai disse: "Vou comprar cerveja em algum boteco". "Mas tem em casa!" "Eu sei", e saiu pelo portão.

Começa a tal da decisão. Eu engulo em seco um gole de saliva que imediatamente me arrepia os pêlos da mão, a espinha, e trava o meu esôfago, impedindo até mesmo a primeira bicada no copo dourado com colarinho branco. Olho para a TV. "Já pensou, pai?" "O quê?" "Tu que viu Gilberto Andrade e Sapiranga, quando esperava ver o Inter decidindo o mundo?". "É mesmo", me diz o seu Gilberto. Com a sua careca, o seu bigode, o seu corpo combalido pela quimioterapia e o olhar sagaz que sempre teve. Esse é meu pai.

Esse era meu pai.

Na verdade, seu Gilberto não viu a final contra o Barcelona, pelo menos não neste plano. Ele morreu de câncer em 9 de fevereiro de 2004. Viu o jogo da arquibancada mais alta, aquela que fica entre as nuvens.

Só que cada vez que eu lembro daquela manhã de dezembro, é como se estivesse vendo o jogo abraçado nele. Nunca vimos um jogo abraçados. Talvez aquele fosse o primeiro de todos. Posso ver os seus olhos secadores na falta de Ronaldinho. Posso engolir junto com ele um gole de cerveja cheio daquela saliva seca e tensa, depois que Fernandão saiu de campo. Posso ouvir ele gritando "TÁ PRONTO!" no gol de Gabiru. Posso sentir o seu beijo, com o bigode, depois do apito final. Posso ver a mãe reprimindo mais uma latinha aberta, talvez um minuto a menos no relógio da sua vida. Posso imaginar como seriam os seus cabelos esvoaçando no carro, em direção à Goethe, e as mãos frenéticas apertando a buzina como se ela tivesse obrigação de tocar sem parar enquanto o Inter fosse o maior time do mundo.

Meu pai não estava do meu lado, mas eu vi o jogo ao lado dele.

Assim como todos os grandes colorados que se foram antes de Gabiru. Acreditem, eles estavam ali. Compartilhando da mesma alegria, levantando a mesma taça, pulando no mesmo asfalto.

O título era desta Terra, mas a euforia estava muito além deste mundo.

Pai, muito obrigado pelo dia 17 de dezembro de 2006.

Pra completar, dois vídeos, a apresentação do gol do mundial na festa de reinauguração do Beira-Rio e a melhor narração do gol que me emocionou e sempre me emocionará



Ao meu pai, obrigado por ter me feito colorado e que eu passasse esse amor também para GABRIELA.

Está é uma DECLARAÇÃO DE AMOR do Pai da Gabriela.